Isolamento social e uso de máscaras de proteção facial diminuíram em 15% o contágio do vírus SARS-CoV-2 em SP

Quarentena e uso de máscara reduziram em 15% o contágio da COVID-19 em SP no início da epidemia

Imagem CeMEAI

Elton Alisson | Agência FAPESP – O isolamento social combinado com o uso de máscaras de proteção facial diminuíram em 15% o contágio do vírus SARS-CoV-2 em São Paulo e 25% em Brasília no início da epidemia de COVID-19 no país.

As constatações foram feitas por pesquisadores vinculados ao Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI) em um estudo publicado na plataforma medRxiv, ainda sem revisão por pares.

Sediado no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (ICMC-USP), campus de São Carlos, o CeMEAI é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela FAPESP.

“Verificamos que a decretação de quarentena pelos estados combinada com a recomendação do uso de máscara pelo governo federal foram medidas de saúde pública eficazes, que contribuíram para a diminuição da transmissão do vírus na fase inicial da epidemia de COVID-19 no país, em que as taxas de contágio cresciam exponencialmente”, disse à Agência FAPESP Zhao Liang, professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores do estudo.

Os pesquisadores chegaram a essas conclusões por meio de análises feitas por um modelo matemático que permite estimar as taxas de transmissão do SARS-CoV-2 em cada cidade do país.

Desenvolvido por meio de um projeto apoiado pela FAPESP, o modelo é baseado em uma abordagem de rede de transmissão de doenças entre cidades chamado SIR – sigla em inglês de Susceptible Infectious Recovered.

As cidades são representadas na rede como vértices e os possíveis contágios pelo SARS-CoV-2 entre cidades como links, estimados a partir de dados reais de infectados em cada município do país por meio de algoritmos de aprendizado de máquina e de análise de redes complexas.

O modelo foi aplicado para analisar e comparar quantitativamente a efetividade de duas medidas de saúde pública implementadas sucessivamente para conter a disseminação do novo coronavírus no início da epidemia de COVID-19 no país. A primeira medida foi a decretação de quarentena pelos estados no final de março e a segunda a recomendação do uso de máscara pelo governo federal no início de abril.

Os resultados indicaram que, no caso de São Paulo – o primeiro estado a decretar quarentena, no dia 24 de março, sete dias após o primeiro registro de óbito causado pela COVID-19 no Brasil, quando já era o epicentro da doença no país, registrando 745 casos confirmados e 30 mortes –, essa medida contribuiu para diminuir a taxa média de crescimento de casos da doença nas cidades paulistas.

A diminuição mais substancial, contudo, ocorreu após a recomendação do uso de máscaras pelo governo federal, sobretudo em cidades de São Paulo com baixas medidas de distanciamento social no início da epidemia.

“Isso pode ser devido ao fato de que essas cidades apresentavam um contato entre pessoas maior e, portanto, o uso de máscaras foi crucial para deter a transmissão do novo coronavírus”, explica Zhao.

A fim de ter uma noção mais exata do impacto dessas medidas de saúde pública, os pesquisadores simularam cenários contrafactuais para analisar o que aconteceria se a quarentena e o uso de máscaras não tivessem sido implementados.

Os resultados das simulações feitas pelo modelo SIR em redes apontaram que a eficiência do isolamento social e do uso de máscaras difere significativamente entre as cidades do país, uma vez que as taxas de transmissão e de mortalidade por COVID-19 entre elas são muito diferentes.

Com base em dados de casos de infecção confirmados nos municípios até 8 de maio, o modelo indicou que a decretação da quarentena seguida da recomendação do uso de máscara resultaram em uma redução de, em média, 15% no pico da epidemia da COVID-19 na cidade de São Paulo, por exemplo, e de quase 25% em Brasília.

“Esperamos que essa metodologia para quantificar a eficácia de políticas públicas de saúde possa contribuir para demonstrar a importância do isolamento social e do uso de máscara como medidas de contenção da propagação do novo coronavírus para os governos e a sociedade”, afirma Zhao.

Política controversa

Alguns países ainda resistem a adotar medidas de isolamento social por duvidar de seu nível de eficácia. Essa situação cria discrepância entre as políticas municipais, estaduais e federal, como é o caso do Brasil.

“Ainda hoje estamos vivendo esse impasse em relação à continuidade do isolamento social no país, com a pressão por medidas de flexibilização, como a reabertura de comércios”, diz Zhao.

Naturalizado brasileiro e originário da China, onde se graduou em 1988 em ciência da computação na Universidade de Wuhan – província que foi o primeiro epicentro da COVID-19 no mundo –, o pesquisador avalia que, além do nível de controle muito mais rígido em seu país de origem, outro fator que contribuiu para a alta eficácia do isolamento social foi o uso de tecnologias de big data para rastrear rapidamente pessoas que tiveram contato com infectados e isolá-las, de modo a conter o contágio.

“A realidade da China é muito diferente e o país adotou alguns critérios de controle rígidos que não poderiam ser aplicados no Brasil. Mas, sem dúvida, o nível de controle do isolamento social com o uso de tecnologias de big data permitiu que a China contivesse o contágio na fase inicial da epidemia no país”, avalia.

O artigo Quantitative Analysis of the Effectiveness of Public Health Measures on COVID-19 Transmission (DOI: 10.1101/2020.05.15.20102988), de Thiago Christiano Silva, Leandro Anghinoni e Liang Zhao, pode ser lido na plataforma medRxiv em www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.05.15.20102988v1.

 

Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

Estudo mostra a vantagem de quarentenas alternadas em cidades paulistas

Para proteger sistema de saúde e economia, modelo ajuda a planejar isolamento intermitente, indicando momentos em que cada cidade poderia ter mais ou menos restrições

Sistema desenvolvido por pesquisadores do CeMEAI aponta que a adoção dessa estratégia permitiria manter a atividade econômica do Estado e, ao mesmo tempo, proteger o sistema de saúde – Imagem: Portal do Governo do Estado de São Paulo

 

Pesquisadores vinculados ao Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI) desenvolveram um sistema que indica melhores estratégias de quarentena para as cidades controlarem o contágio da covid-19.

De acordo com essas simulações, os municípios paulistas, por exemplo, poderiam entrar em isolamento em períodos diferentes, com o intuito de manter as atividades econômicas do Estado e, ao mesmo tempo, proteger o sistema de saúde.

O sistema foi descrito em artigo publicado na plataforma medRxiv, ainda em versão preprint (sem revisão por outros cientistas externos ao grupo de autores). Os códigos-fonte foram disponibilizados na plataforma GitHub, com o objetivo de possibilitar o acesso aos tomadores de decisão de cidades interessados em utilizá-los.

Sediado no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, campus de São Carlos, o CeMEAI é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

“Pretendemos assessorar prefeituras interessadas em aplicar o sistema, que permite simular cenários nos quais as cidades não precisariam entrar em períodos de quarentena ao mesmo tempo”, diz à Agência Fapesp Tiago Pereira, professor do ICMC e um dos autores do projeto.

De acordo com o pesquisador, que estuda a dispersão de doenças a partir de modelos matemáticos, se todo um estado, como São Paulo, seguir um protocolo de quarentena unificado para controlar a covid-19 e entrar em isolamento de forma sincronizada isso acaba gerando longos períodos de quarentena.

Isso acontece porque a evolução da doença nas cidades não ocorre em uma mesma velocidade e os municípios têm dinâmicas populacionais, necessidades econômicas e estruturas de saúde muito diferentes.

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Fonte: Jornal da USP

Pesquisadores alertam para risco de suspender isolamento em São Paulo

Números de casos e mortes podem explodir rapidamente se regras de distanciamento social forem revogadas antes da hora, segundo especialistas

 

O isolamento social está funcionando na cidade de São Paulo. A curva de propagação da pandemia foi achatada. Mas atenção: debaixo dessa curva tem uma mola, e se a pressão exercida pelo isolamento for retirada antes da hora, quase todo o sacrifício poderá ter sido em vão.

Esse é o alerta de uma simulação feita pelo Observatório Covid-19 BR, um grupo de 50 pesquisadores, de diversas instituições, que monitora a evolução da pandemia e utiliza modelos matemáticos e epidemiológicos para projetar o comportamento dela em diferentes situações.

Um dos cenários modelados pelo grupo é como a pandemia teria evoluído no município de São Paulo se nenhuma medida de contenção tivesse sido implementada contra ela.

“Os dados mostram claramente que, sem as medidas de distanciamento social, o número de casos seria muito maior”, de acordo com o ecólogo Paulo Prado, professor do Instituto de Biociências (IB) da USP e cofundador do Observatório. “O achatamento da curva é uma realidade; está funcionando” — ainda que a taxa de isolamento na cidade esteja abaixo do ideal, completa ele.

Até o dia 24 de maio, após dois meses desde o início da quarentena, as estatísticas oficiais registravam 45,5 mil casos e 3,5 mil mortes por covid-19 no município de São Paulo. Num cenário hipotético de propagação “selvagem” (irrestrita) do vírus, porém, esses números já poderiam estar na casa de 500 mil casos reportados e 150 mil mortos, segundo o Observatório.

Analisando o passado – Gráficos mostram como a pandemia de covid-19 teria evoluído no município de São Paulo sem as medidas de distanciamento social, comparado ao cenário real atual Fonte: Observatório Covid-19 BR

Os pesquisadores ressaltam que o objetivo da modelagem não é gerar prazos nem números exatos, mas simular como a pandemia tenderia a se comportar em diferentes cenários; e então comparar esses cenários hipotéticos para orientar a tomada real de decisões pelo poder público. Os números dos gráficos, portanto, devem ser interpretados mais do ponto de vista qualitativo do que quantitativo — ou seja, mais como ordens de grandeza e tendências do que valores ou resultados absolutos.

“Milhares de vidas foram salvas pelo isolamento; isso fica claro”, diz o pesquisador Roberto Kraenkel, do Instituto de Física Teórica (IFT) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), cocriador do Observatório, ao lado de Prado e Renato Coutinho, do Centro de Matemática, Computação e Cognição (CMMC) da Universidade Federal do ABC.

Mas atenção: a guerra contra o SARS-Cov-2 ainda está longe de ser vencida, alertam os cientistas. Depois de olhar para o que poderia ter acontecido no passado, eles resolveram olhar para o que poderá acontecer no futuro. Simularam dois cenários extremos para o município de São Paulo: um, com a revogação total das medidas de distanciamento social a partir de 31 de maio; e outro, com a manutenção das medidas vigentes até o fim do ano.

A modelagem mostra que, se as medidas de isolamento fossem removidas agora — o comércio reabrisse, as escolas reabrissem, e as pessoas voltassem a circular normalmente pela cidade —, haveria uma explosão quase que imediata no número de paulistanos infectados; e o número de mortes, no fim das contas, seria quase tão grande quanto se nada tivesse sido feito desde o início.

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Fonte: Jornal da USP